Flexibilidade - Parte II

 

Mundo Complexo

Escultura: Karina Smigla-Bobinski

Escultura: Karina Smigla-Bobinski

Nos últimos textos falamos sobre a mudança, principalmente a do mindset. Com a evolução da ciência, as rápidas transformações tecnológicas, os impactos socioambientais na natureza, esses fatores, cada vez mais,  exigem- nos essa mudança. A complexidade das incertezas constantes, nos traz inúmeros questionamentos. Então, o quanto estamos preparados e abertos para tal? Como podemos observar e absorver esses cenários complexos? Como podemos resolver de forma simples? Como podemos usar o nosso conhecimento? Quais novos conhecimentos precisamos adquirir?

No Mundo Complexo, não há cenário que permita apenas declarar intenções, ao invés de fazer, mesmo que correndo o risco de falhar. Delegar atividades para o outro , sem entender e participar dos processos, é algo que não se sustenta mais. Por isso, devemos usar os nossos talentos para simplificar a complexidade e usufruir disso, desencadeando os atos de  programar e esclarecer.

No século XX, o contexto da complexidade - como conhecemos atualmente, ganha referência teórica. Esse sentido foi construído a partir da multidisciplinaridade e transformações nas ciências.  Tendo em vista que o desafio da complexidade, não é somente um fenômeno empírico, mas  também um problema conceitual e lógico, analisaremos sob estatuto epistemológico e ontológico.

Etimologicamente, ontologia significa a “ciência do ser”. Assim, a expressão ontologia complexa, significa que as relações sujeito/objeto, ser/realidade, são de natureza complexa. Portanto, inseparáveis entre si, pois o sujeito traz consigo a realidade que tenta objetivar.  É um sujeito, um ser humano, que não fragmenta a realidade que o cerca, que não descontextualiza o conhecimento.  Um sujeito multidimensional, ou seja, com todas as suas estruturas perceptivas e lógicas, como também sociais e culturais, à disposição de seu processo de construção do conhecimento e de sua evolução. Já que a interpretação de mundo é uma percepção  do ser humano, de sua lógica, de sua cultura e da sociedade em que vive.

Desta forma, na ontologia complexa, o ser está dentro do mundo e faz parte dele. O mundo e suas interpretações, são compreendidos em sua organização, produto de interações, de retroações, de emergências, de auto-eco-organizações (organismo de um ser vivo) , de dinâmicas sinérgicas e convergentes. Como também de dinâmicas desencontradas, onde a ordem e a desordem estão em constante diálogo. O ser, para Morin, é sempre uma organização ativa, produto de interações, uma organização nutrida por fluxos que exigem abertura estrutural e fechamento organizacional. Tais mecanismos é o que garantem as relações dialógicas, entre autonomia e dependência, perturbação e quietude, sapiência e demência e tudo aquilo que tece a trama vida e permite a sua existência. Portanto, uma ontologia complexa mantém sempre a tensão das polaridades constitutivas do ser, bem como as interações entre as distintas dimensões que o integram.

Assim, uma das perspectivas teóricas mais importantes representativas desta nova ciência é o Pensamento Complexo de Edgar Morin (2007), do qual a complexidade é o seu conceito mais expressivo. Esta linha de pensamento, ou perspectiva teórica, não recusa a clareza, a ordem, o determinismo e a linearidade presentes nos fenômenos, entretanto, os consideram insuficientes na explicação da realidade. A complexidade pauta-se, entre outros aspectos, pela indeterminação e a imprevisibilidade entranhada no tecido do universo, pela diversidade constitutiva do real, pelas emergências presentes em todas as dimensões da vida, pela incerteza como expressão das múltiplas potencialidades do real e como condição do existir humano. Incerteza, como condição ontológica e epistemológica presente nas relações sujeito/meio, sujeito/objeto, indivíduo/sociedade/natureza.

Foto: Christian Liebel

Foto: Christian Liebel

Complexidade significa, para Edgar Morin (2007), um princípio que permite ligar as coisas, os fenômenos, os eventos, implicando, portanto, uma tessitura comum que coloca como sendo inseparavelmente associados o indivíduo e o meio, a ordem e a desordem, o sujeito e o objeto, o professor e o aluno e todos os demais tecidos que regem os acontecimentos, as ações e as interações que tecem a trama da vida. Para Morin (1990, p.20), “complexo significa aquilo que é tecido em conjunto”.

É um princípio que traz consigo uma dimensão organizacional e uma dimensão lógica. Em sua dimensão organizacional, nos revela que a realidade é multidimensional em sua natureza complexa, interdependente, mutável, entrelaçada e nutrida pelos fluxos que acontecem no ambiente e a partir do que cada um faz. Uma realidade que é contínua, descontínua, indeterminada em sua dinâmica operacional e que se manifesta dependendo do contexto, das situações vividas e das circunstâncias criadas. O reconhecimento da existência de múltiplas realidades e a legitimidade de todas elas é algo muito importante para esta construção teórica, lembrando que a realidade surge a partir do que cada um faz, pensa, sente e age. Em sua dimensão lógica, nos oferece um panorama ou outra perspectiva teórica e que muito nos ajuda, metodologicamente, a avançar nos processos de construção de conhecimento.

A partir daí, a complexidade pode ser compreendida como um princípio regulador do pensamento e da ação, capaz de articular relações, conexões, interações e que nos ajuda a organizar o real, a ver os objetos racionalmente, inseridos em seus respectivos contextos e dependentes deles. Com ela, Edgar Morin nos ajuda a tentar religar, no domínio do pensamento e da ação, o que já se encontra, direta ou indiretamente, conectado na natureza, no mundo material. Desta forma, a complexidade não perde de vista a realidade dos fenômenos, não separa a subjetividade da objetividade e não exclui o espírito humano, o sujeito, a cultura e a sociedade (Morin, 1996). É o olhar complexo sobre os fenômenos que nos permite, segundo esse autor (1996), encontrar um substrato comum à biologia, à física e à antropologia.

Fundamentado no Pensamento Complexo de Edgar Morin, é possível perceber que a chave da complexidade está em reconhecer, a união da simplificação e da complexidade, em perceber o inter-jogo existente entre análise e síntese, sujeito e objeto, indivíduo e contexto, percebendo a complementaridade dos processos envolvidos na tentativa de compreender a realidade de maneira menos redutora possível.

E para melhor compreender esta dinâmica operacional de natureza complexa, metodologicamente, utilizamos os operadores cognitivos para um pensar complexo proposto por Edgar Morin (1997). E qual é o papel de tais operadores? São instrumentos ou recursos do pensamento que nos ajudam a pensar de maneira complexa, a construir conhecimento e a reorganizar o saber, a partir de uma dinâmica diferenciada, dialógica, auto-eco-organizadora, mais profunda e abrangente. Para tanto, usamos a epistemologia da complexidade, a lógica da complexidade, ou seja, a dialógica, e nós apoiamos nos demais operadores cognitivos para um pensar complexo. Que operadores seriam esses? Entre outros, os principais operadores seriam os princípios dialógicos, recursivo, hologramático e auto-eco-organizador. Destacamos, também, em função da temática trabalhada, dois outros operadores cognitivos importantes: o princípio ecológico da ação e o princípio ético. A epistemologia da complexidade, nutrida pelos operadores cognitivos para um pensar complexo e transdisciplinar, nos ajuda a trabalhar as relações sujeito/objeto, ou seja, as relações ocorrentes entre os níveis de realidade ou de materialidade do objeto e os níveis de percepção do sujeito, a promover o diálogo entre as disciplinas, compreendendo melhor sua dinâmica operacional e influenciando os aspectos metodológicos, a partir do uso da dialógica que permeia nossas reflexões e ações cotidianas.

Assim, fica mais fácil resolver os conflitos, compreender as divergências, reconhecer as diferentes maneiras de se interpretar a realidade, percebendo melhor os problemas e o encontro de suas soluções. Ao transcender a lógica binária fragmentadora da realidade, ao resgatar a dimensão complementar das polaridades aparentemente contrárias, a complexidade ajuda-nos a promover a alteridade, a resgatar o respeito ao pensamento do outro que, embora seja diferente do meu, é absolutamente legítimo, ajudando-me a compreender o que acontece em outros níveis de materialidade do objeto e de percepção dos sujeitos aprendentes, a reconhecer, inclusive, a importância dos conhecimentos antigos e a explorar outras maneiras de ser/conhecer, de viver/conviver e aprender. Conclui-se, portanto, que ela traz consigo uma outra lógica, a dialógica, nutrida por fundamentos éticos, fruto de uma racionalidade aberta iluminada pela ética e pelo princípio da não separatividade que traz consigo a solidariedade. Assim, todo conhecimento de natureza complexa e transdisciplinar, seja no campo profissional ou pessoal, procura explorar aquilo que circula entre os diferentes níveis de materialidade do objeto e os diferentes níveis de percepção dos sujeitos, aquilo que se encontra na ordem implicada, dobrada, escondida dentro de cada um de nós. Ou seja, percebe aquilo que é subliminar, que habita a região em que nossos sentidos, muitas vezes, não são capazes de penetrar, de analisar, de decodificar em um primeiro momento e que requer outras dimensões humanas, como a intuição, a imaginação, para sua melhor compreensão, a partir de seu diálogo com a razão. 

Fonte: Novos desafios éticos em um mundo complexo, plural e digital - Maria Cândida Moraes

O que podemos melhorar neste ecossistema complexo no âmbito social?

“O organismo de um ser vivo (auto-eco-organizador) trabalha sem cessar, degrada a sua energia para auto manter-se; tem necessidade de renovar alimentando-se no seu meio ambiente de energia fresca e deste modo, depende do seu meio ambiente. Assim precisamos da dependência ecológica para assegurar a nossa independência. Mais profundamente, a auto-eco-organização significa que a organização do mundo exterior está inscrita no interior de nossa própria organização vivente. O mundo está em nós ao mesmo tempo que estamos no mundo”. O pensamento ecologizado, Edgar Morin.

Vivemos em tempos do êxodo urbano, comumente temos que urbanidade é sinônimo de sociabilidade e, a modernidade parente do progresso . Em contrapartida, para o ecossistema, essas constantes modificações e transformações, remetem aos prejuízos ambientais profundos. As preocupações são crescentes, acerca de como mitigar os impactos socioambientais. O desenvolvimento sustentável tem incentivado o estudo e a implantação, em diferentes setores, de medidas e procedimentos que contribuam para a sustentabilidade em áreas urbanas. 

Esses movimentos acontecem, graças ao imperativo da complexidade, onde as ações e consequências do êxodo são estudadas organizadamente, em todos os parâmetros, para que o pensamento complexo, dê à luz as soluções sustentáveis, sociais e econômicas. A questão da mobilidade sustentável, surge como um novo desafio às políticas ambientais e urbanas, num cenário de desenvolvimento mundial.

Escritório: MVRDV • Projeto: Valley, Amesterdão - Países Baixos

Escritório: MVRDV • Projeto: Valley, Amesterdão - Países Baixos

A cidade é o habitat por excelência do ser humano contemporâneo. As projeções da ONU estimam que, até 2050, entre 85% e 90% da população do planeta habitarão zonas urbanas. As cidades são um território que condiciona o estilo de vida, os desejos e as expectativas de cada um de nós. A pessoa do nosso tempo, é essencialmente um Homo Urbanus. Segundo dados da ONU de 2014, o Brasil possui 174,5 milhões de habitantes nas cidades (85,7% do total de habitantes) e a previsão para 2050 é que 91% residam nas cidades, representando mais de 210 milhões de habitantes, o que faz do Brasil um dos 50 países mais urbanos do mundo.

Esse movimento traz enormes desafios. Um dos mais significativos é a questão da mobilidade. Com o crescimento dos territórios urbanos e proliferação de regiões periféricas, dentro de um movimento exponencial e com histórica falta de planejamento, temos cidades cada vez mais espraiadas e onde as distâncias entre os serviços, locais de trabalho e moradia crescem na proporção da expansão urbana. Isso afeta tanto a provisão de serviços e infraestrutura quanto a efetividade e a capacidade da cidade gerir as intermináveis massas humanas que se deslocam diariamente entre pontos do território. Quando imaginamos que a metade desse movimento se dá entre a moradia e o trabalho e que, sobretudo nos países em desenvolvimento, esse deslocamento acontece em veículos movidos a motores altamente poluentes – ônibus, automóveis, motos – temos um conjunto urgente de desafios.

Gastamos cada vez mais tempo no trânsito. Os congestionamentos têm custos muito elevados para o planeta, para o país, para cada um de nós. Estima-se que os custos relacionados com o tempo perdido no trânsito, em 2012, em São Paulo, giraram em torno de R$ 45 bi. Cerca de 5,7% do PIB da cidade.

Mobilidade Sustentável

“Não faz sentido dividir as cidades nessas duas categorias [felizes ou infelizes], mas em outras duas: aquelas que continuam ao longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os desejos conseguem cancelar a cidade ou são por esta cancelados”. Cidades invisíveis, Italo Calvino

O World Business Council Sustainable Development (WBCSD) desenvolveu, em seis cidades do mundo, o Projeto de Mobilidade Sustentável (SMP) por meio do qual as empresas, com o uso de ferramentas e indicadores especialmente desenvolvidos, sugerem soluções sustentáveis de mobilidade, respeitando as características de cada cidade. No Brasil, o projeto foi implantado, em parceria com o CEBDS, na cidade de Campinas, onde de acordo com uma pesquisa realizada pelo projeto, aproximadamente 51,7% da população afirmam usar o transporte público (no caso do Rio de Janeiro, esse número sobre para 71% (PDTU, 2013)).

Não existem modelos padrão de mobilidade e qualquer diagnóstico deve ser feito em função das características de cada cidade. Baseado nessa premissa duas publicações resultaram do projeto. Um relatório que apresenta possíveis mecanismos de financiamento para a mobilidade sustentável, trazendo ferramentas para o setor público viabilizar economicamente os investimentos em infraestrutura e serviços de transporte.  E uma segunda publicação que fornece indicadores para identificar as principais demandas de mobilidade nas cidades contemplando diversos temas como conforto, congestionamento, eficiência energética e acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida.

Fonte: O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável
https://cebds.org/o-desafio-da-mobilidade-sustentavel/?gclid=EAIaIQobChMI3dmH_J7M6AIVBwqRCh29dwa8EAAYASAAEgIn3PD_BwE

Avaliação a Mobilidade Sustentável de uma Região

Conforme observado nos estudos apresentados neste trabalho o desenvolvimento sustentável é usualmente visto dentro de três dimensões: Ambiental, Social e Econômica. Relacionados a cada uma destas dimensões existem fatores básicos visando a sustentabilidade:

em relação ao meio ambiente: poluição do ar, poluição da água, consumo de recursos naturais e poluição sonora.
em relação ao contexto social: saúde, equidade e oferta de oportunidades; 
em relação ao contexto econômico: economia regional e urbana, custo de transportes, competitividade e subsídios.

Dentro deste conceito, podemos considerar a mobilidade sustentável como sendo “uma forma de mobilidade que promova uma igualdade de possibilidades de deslocamentos, com facilidades de acesso às diversas atividades de uma região, promovendo uma redução do no consumo de energia associada aos meios de transporte, e buscando assim, uma redução da poluição ambiental e uma melhoria na eficiência dos recursos aplicados no transporte”. Isto significa, de uma forma geral, conforme observado nos diversos trabalhos aqui apresentados, promover uma redução na utilização do veículo privado associado a medidas que facilitem o acesso da população às atividades através de caminhadas, uso de bicicletas e transporte público. ERL & FEBER (TRANSLAND, 2000)* consideram que a mobilidade sustentável, sob o ponto de vista dos transportes, pode ser alcançada através das seguintes metas ou ações:

• promover a acessibilidade e o uso do espaço;
• aumentar a parcela de transporte ambientalmente correto (transporte público, caminhada e uso da bicicleta);
• reduzir o congestionamento;
• reduzir a poluição sonora, atmosférica e visual e paralelamente, desenvolver e manter o bem estar urbano e o equilíbrio (e prosperidade) da economia urbana; 
• assegurar a igualdade social e as oportunidades de transporte para toda a comunidade.

Pelo exposto observa-se que existe uma forte relação entre o uso do solo e o sistema de transporte para se alcançar a mobilidade sustentável. Observa-se também nos estudos de casos realizados pelos diferentes projetos citados no item 2 deste trabalho, que as medidas implementadas variam de acordo com a política e as características de cada cidade. Assim, como uma forma de avaliar o nível de mobilidade sustentável de uma região e compará-la com outras propõe-se a definição de um Índice de mobilidade sustentável. Para se chegar a este índice e poder auxiliar na avaliação de uma região através do mesmo desenvolveu-se o trabalho nas seguintes etapas: • Etapa 1- Proposta de indicadores • Etapa 2- Definição de um procedimento para determinação do Índice de Mobilidade Sustentável • Etapa 3- Proposta de um Procedimento de Avaliação Espacial da mobilidade sustentável num contexto urbano ou regional. 

** ERL, E; FEBER G. (2000) TRANSLAND– Integration of Transport and Land Using Planning. Working paper disponível em www.inro.tno.nl/transland/
(22/10/2004)Fonte: http://www.ime.eb.br/~webde2/prof/vania/apostilas/mobilidade-sustentabilidade.pdf
 
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